Cordel, Historias de um poeta
Autor Carlos Silva - 5/10/2018
LITERATURA DE CORDEL
Carlos Silva
HISTORIAS DE UM POETA

02/07/2004
“A primavera só acaba, quando chega o verão”.
Tem cabra que é poeta
De grande sabedoria
Cria versos, faz poema.
Com imensa alegria
Muitos nunca estudaram
Na frequentaram escola
Os seus versos são sinceros
A rima se desenrola
O poeta sabe bem
Como desenvolver o tema
Respeitando toda métrica
Pra dar vida ao poema
Assim, segue agradiceno.
O Jesus seu Criador
Seu eterno bom amigo
Seu mais leal Professor
Cada um tem o seu jeito
Até na forma de versar
Vamos ver a diferença
Da poesia popular
O poeta do sertão
Caboco chamado matuto
Com pouca leitura faz
Seu romance absoluto
Arrepare como muda
A forma de expressão
Dum poeta lá da roça
Chamado Chico Beltrão
É uma linguagem simples
E essa nunca terá fim
O Velho poeta Chico
Começa narrando assim
Sou leve feito Fulô
Que o vento tange ao léu
Sou brabo qui nem abêia
Mas sou doce feito mel
Desde os tempos de minino
Apricio a beleza
Valorizo cada vida
Feita pela natureza
Sou feito pau d’arco forte
Que nasce na ribancêra
Sou jurema e gabiroba
Sou broto da gamelêra
Sou anjirco, sou jurema
Sou parte dum jatobá
Sou cipó de arueira
No meio do gravatá
Sou um tar cipó caboco
Que inverga sem quebrar
Eu sou feito unha de gato
Que posso te arranhar
Sou orvaio moiadô
Sou o cheiro do alicrim
Sou velame na caatinga
Qui chêra iguá jasmim
Sou vaqueiro aboiado
Cantando na invernada
Conduzindo com orguio
Minha piquena boiada
No solo desse sertão
Aqui quero ser interrado
Sintino o chêro da terra
Terra que alimenta o gado
Vejo purtera bateno
O sol quase toca o chão
Como é lindo o fim do dia
No solo desse sertão
A noitinha tem canturia
Com violão e pandêro
Samba de roda, catira
Com roda de violêro
Zeca preá tira um velso
Todos querem assuntar
Ele de folclore
Das lendas desse lugar
Sou Saci sou Curupira
Sou cuca, sou boi tatá.
Sou a mula sem cabeça
Sou caipora a suviá
Logo outro alevantava
E cumeçava dizê
Vou fazê uma longa prosa
Prestem atenção pra vê
Sou cabra respeitadô
Gosto de tudo direito
Minha palavra é dicumento
Pur isso injijo respeito
Na Parma da minha mão
Tem um EME de Maria
Com ela escrevo Mãe
Que venero noite e dia
Num sô caboco letrado
Muito poço istudei
Já qui é pá falá in velso
Nessa matéra sô rei
Num venha me aperriá
Cum palavras da cidade
Sô matuto e nums ô besta
Uso de sinceridade
Minha humilde tapera
Pode lhe acomodá
O meu cóchão é de paia
Onde podes reposá
Lá na muringa tem água
Na cabaça tem cuaiada
Ali na panela de barro
Tem gostosa galinhada
Tem pinga de alambique
Vinda de Minas Gerais
Tem carne de sol, buxada.
É gostosura demais
Depois da boa refeição
Eu vou dar uma pitada
Na paia seca do mio
E dá uma proziada
O fumo é de Alagoas
Veio de Arapiraca
É macio e obedece
O corte da minha faca
Eu já fui muito festêro
Já fiz muita canturia
E confesso com orguio
Confusão eu não fazia
Eu sempre andei alinhado
E com chapéu Panamá
Que um dia papai me trouxe
Da Serra do Aporá
Quando eu chegava na festa
Me pidiam pra cantá
Tudo era de improviso
Velso brotava do á
Logo faziam a roda
La estava eu no meio
Com jeito bem moderado
Não pudia fazê feio
Eu comparava as moça
Como fulo de jardim
Por gostar da minha rima
Batiam palmas pra mim
Eu falava que Zefinha
Era uma fulô singela
Beatriz e Mariquinha
Cacho de rosa amarela
Judite e Maria Tereza
Era beleza da vida
Pétalas que enfeitavam
Como enfeita a Margarida
Antonia Chega e Odete
Beleza tão divinal
Que só era comparada
Com um imenso rozeral
Os Homens me iscutavam
Admirano meu versá
Pois todos eles gostavam
Do meu jeito de falá
Terminava os meus velsos
Agradiceno o carinho
Com que todos me tratavam
E saia de fininho
Ia tomar uma lapada
Com foia di imburana
Qui discia guela abaixo
Sintino gosto da cana
Arrancava do jaleco
Meu afiado canivete
Picava o fumo e fazia
Cigarro gosto de agreste
A primêra baforada
Paricia um dragão
Eu sentia até istalo
No centro do meu purmão
E assim, os convidados
Vinham parabenizá
Agradicer a noitada
Qui eu vim pra alegrá
O poeta beija a lua
Pega o sol com a mão
Viaja aonde leva
A Santa imaginação
Donzelas pediam velsos
Chegavam até suspirá
Todas elas só quiriam
Um instante pra sonhá
E quando eu dava fé
O dia vinha nasceno
Pagavam eles meus velsos
E eu ia agradiceno
Pois a arte é profissão
Seja lá ela qual fô
Não se faz arte di graça
Senão perde seu valo
Tem uns cabas qui chamam
Poeta de vagabundo
Sem poesia e sem poeta
Como siría esse mundo?
Dali eu mi dispidia
A todos agradiceno
Eles, porém mi diziam.
Nós é que tamo deveno
Obrigado velho poeta
Por nada, eu rispundia.
Fiquem na paz de Jesus
Filho da Virgem Maria
Assim finalizo a históra
Mim disculpem pur favô
Pra aprendê fazê rima
Num carece professô
A todos meu obrigado
Meu nome é Zé preá
Meu nome é Zé preá
Pra animá a sua festa
Basta ocê mim convidá
O modo como se expressa
Seja simples ou norma culta
Não condene a poesia
Infantil jovem e adulta
Perceberam a diferença
E o modo de expressar
Salve o povo dessa terra
Salve a cultura popular
O mundo é uma escola
De Santa sabedoria
O diploma do poeta
São versos em cantoria
Meu professor é a poeira
Levantando desse chão
A natureza é quem me dá
A divina inspiração
Tenho a flor, rio, cachoeira
Gamelas e ribeirão
Meu belo chapéu de couro
Festas de apartação
Bolo de fubá de milho
Ainpim, coco mandioca.
Tenho tareco e mariola
Pé de moleque e tapioca
Baião de dois e buchada
Canjica e tem mugunzá
Carne de bode assada
Tatu peba e um preá
Pur isso, posso afirmá
Tenho tudo que preciso
Da natureza inspiração
Da cabocla, seu sorriso.
A Deus do céu agradeço
Por viver no meu sertão
Rico não sou, é verdade
E pobre demais não sou não
Tenho fé, mulher e filhos
Amigos leais então
Uns bichinhos que sustenta
Milho, arroz,fava e feijão
Tenho um cavalo ligeiro
Minha paz é o meu roçado
E o meu divertimento
É sentir o cheiro do gado
Os Homens lá da cidade
Tem taxi metrô e trem
Mas quando estão de férias
Todos cá pro mato vem
Vem respirar ar puro
Vem pra se banhar no rio
Vem mergulhar em cachoeiras
Mais lindas desse Brasil
Vem comprar nossos cordéis
Conhecer essa cultura
Rica e bela que faz parte
Da nossa literatura
Aprecia o analfabeto
Com gosto rimando verso
E acabam compreendendo
O nosso rico universo
Aqui tem emboladores
Repentista e cantador
Formados nos Campus da vida
Na escola do Nosso Senhor
Cada um tem o seu jeito
Da bela vida levar
Por isso deixo bem claro
Pra terminar me declaro
Sou um poeta popular
FIM.
The end
e fim de papo.
Acabou... oxe
marminino
“Carlos
Silva”.
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