Encontro com Jorge Amado | CRÔNICA

Autor Carlos Silva - 4/24/2019

 


Vi a vida emergir do mar morto, quando dona Flor e seus dois maridos viviam como se uma tocaia grande lhes fosse preparada a cada dia.
Pela praia, muitos capitães da areia deixavam suas ordens para os velhos marinheiros. A descoberta da América pelos turcos era narrada por alguém, como se um homem vestindo farda fardão fosse permitido o merecido descanso em Jubiabá. Os pastores da noite, em São Jorge dos Ilhéus, admiravam as histórias que eram contadas sobre Tereza Batista, que, cansada de guerra, convidava Gabriela Cravo e Canela para prosear sobre os frutos da seara vermelha que por ali eram colhidos.

Há quem comente naqueles locais que a morte de Quincas Berro D'água trouxe a todos uma lição, como se utilizando o ABC de Castro Alves como tema principal do assunto. O amor do soldado por Tieta do Agreste era marcado pelos encontros que faziam próximo à tenda dos milagres, narrando nas terras do sem fim, os subterrâneos da liberdade, na agonia da noite - que apenas apreciava o enlace desses ocorridos.
Apelidaram essa terra de O País do Carnaval, porque o menino grapiuna amava as festas da Bahia de Todos os Santos. Ele se divertia com tudo que era dito sobre O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. Isso servia para relaxar a tensão na navegação de cabotagem, onde os ásperos tempos ocultavam o sumisso da santa em uma história de feitiçaria, em que todos diziam que era padroeira de todos os males. Vai saber. Tudo isso e muito mais, ele pesquisava em literaturas comentadas, que, com o tempo, foram adaptando e recontando para que todos pudessem ter acesso a tudo que um dia foi escrito. Ele, o garoto, aprendia mais a cada dia sobre muita coisa, mas isso só quando o capitão de longo curso lhe contava histórias compridas e esbravejava em voz grossa:
- O cavaleiro da esperança disse que o cacau é a luz no tunel!

Era como se ali existisse uma cumplicidade entre a bola e o goleiro, como se o milagre dos passáros fizesse com que o contador de histórias provocasse cenas escolhidas, pelo labor da navegação, o inevitável suor dado aos esforços de cada um.
Tudo era registrado entre os cadernos de literatura brasileira, onde é possível imaginar, num doce devaneio, quatro mulheres, quatro romances, como se retratasse uma arte para Criança Carybé - ou o Capeta Carybé, como se dizia alguns. Acredito, pela sutileza da narrativa tão bela, que um baiano romântico e sensual escrevera algo sobre o Capeta Carybé. Talvez tenha sido o mesmo que escreveu a carta a uma leitora sobre romances e personagens. Se isso tudo tinha uma ligação, eu não sei, mas acho essencial relembrar essas façanhas como se houvesse necessidade de se falar sobre o cavaleiro da esperança.
Sem querer ser repetitivo, mas muito se disse por ali, algo da vida de Luiz Carlos Prestes, com todo respeito até mesmo pelos velhos marujos dos portos, que contavam suas lidas e conquistas que há tempos de hoje não mais encheriam de curiosidades, nem mesmo a ratinha branca de pé de vento e a bagagem de otália. Isso foi só para ilustrar uma remota lembrança infantil, onde povo e terra jamais deixam de ser temas corriqueiros. Será que o compadre de Ogum era de fato o amor de soldado sobre o muro de pedras amigo cacão? E é a mim que tu vens perguntar? E eu sei lá dessas coisas.
No meu modo de ver, isso deve ser mais intrigante do que Sebastião revelar como o mulato porciuncula descarregou seu defunto. Uma saraivada de risos ecoou na noite silenciosa. Argemiro, tentando conter as gaitadas, emendou:
- Que comparação mais tola.
Mas aquilo era somente para se ter algo a falar, sem muito compromisso se o que diziam era ou não verdade. Brincadeiras a parte, outro dizia:
- É gente, mas quando chega a hora da guerra, todos buscam um porto seguro para se atracar.
As histórias tantas, rondam nas rodas de prosas entre cacaueiros e marinheiros, bêbados e pescadores, e muitos se assustam quando os jagunços estão por perto, como se andassem sondando almas para serem despachadas. 


Dizem que as mortes e os triunfos de Rosalinda, anda hoje por aqui ainda é um grande mistério, pois ninguém sabe ao certo ou quer falar sobre isso. Vocês sabiam que o amor de Castro Alves aconteceu lá em Serra Vermelha? Oxe! Isso não tem comprovação nenhuma, basta verificar as datas e tudo o mais. O filho do coronel voltou da europa, falando todo diferente e fez uma pergunta com umas palavras difíceis bem assim:
- Você sabe o que quer dizer the war of the saints?
Oxe! Que linguajar é esse? Diz ele que quer dizer "a guerra dos santos". E desde quando tem que se falar enrolado por aqui nessas bandas? Eu hein? Mundo moderno ficando mais besta. Já ouvi falar que os patrões da noite - mas não sei bem se é patrões ou pastores, sei lá, eu mal sei falar direito - rondam por aí, procurando histórias. Dizem que é para escrever e botar nos jornais da capital. Eu só sei que eu não sei de nada! E o que passar disso tudo aqui descrito, são obras ilustradas que se fizeram com o passar dos tempos e o resto se perdeu onde hoje é apenas a estrada do mar.


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