Memórias de Zé Ambrósio | CONTO

Autor Carlos Silva - 12/03/2020



Zé Ambrósio descansava na rede do varandado de sua casa, lubrificando sua espingarda de dois canos calibre 22.
Um cigarro de palha no canto da boca e o velho chapéu de couro estilo bosta de boi na cabeça. Nota, na cancela da sua casa, três elementos bem vestidos se aproximando.
Ele chama os filhos que estão dentro de casa:

- Abdias, Gerônimo, venham cá fora!

Os dois saem com suas espingardas cartucheiras e perguntam: 

- Que foi meu pai? 

E o velho responde:

- Tão vindo três figuras esquisitas. Vamos ver o que eles querem.

- Boa tarde senhores, tudo bem? 

- Vai se levando, meu filho... - responde seu Zé, que logo complementa - se não fossem os bandidos que apareceram por aqui e desviaram as águas do rio, estaria bem melhor.

- Mas como foi isso? - Pergunta um dos visitantes.

- Um lote de vagabundos políticos! - escarra e cospe no chão concluindo: - Ô raça que tenho nojo. Compraram uma fazenda aqui do lado e resolveram desviar o rio para melhorar suas terras. É por isso que essa corja de vagabundo só entra nas minhas terras se eu não estiver aqui, pois se chegar com aquelas conversas de enganar matuto, levam chumbo nas costas. Não é meninos? 

- É sim, papai - responderam ao mesmo tempo, alisando os canos das espingardas e fazendo miras ao vento.

Um dos cabras bem vestidos estava com um monte de santinhos de propaganda eleitoral e foi tratando de disfarçar escondendo atrás das costas.

- Mas me digam, o que traz vocês por essas bandas? Pelo modo de se vestir parecem ser da capital, como aqueles homens que trabalham no poder.

- Sabe o que é, seu Zé? Nosso carro deu um pequeno problema e viemos aqui para tomar uma aguinha e seguir viagem.

- Pois é meninos, água não tem não, pois estamos com pouca para usar e criar os bichos. Se não fosse os malditos dos safados, eu teria o maior prazer em ajudá-los. Mas vocês se parecem com gente da política não é não??? 

- Nã-nã-não, seu Zé, a gente nem gosta de falar de política, e temos a mesma opinião do Senhor.

- Pois é meu filho, se aparecer um cabra aqui pra me falar de política, ou vier me pedir voto, creio que ele não sairá com as próprias pernas daqui. Não é meninos???

- É sim papai, to doido prá papocar as pernas desta raça de gente ruim - falou Abdias.

- E tu Gerônimo? - perguntou o patriarca remoendo os dentes.

- Prefiro é tirar o couro das costas deles e botar pra correr - responde com ameaça na voz.

- Mas me digam, vocês querem mesmo o que? - Pergunta seu Zé Ambrósio.

- Nada não seu Zé, nós estamos indo embora e foi muito bom conversar com o senhor e com seus simpáticos filhos. Vamos andando pessoal?

- É cedo ainda, homem. Vamos prosear mais um pouco.
Abdias, Gerônimo, acompanhem os cavalheiros até a cancela.

- Precisa não seu Zé. Fiquem na paz e até outro dia.

Enquanto eles se afastavam, o velho com os dois filhos lascaram uma risada tão alta e deram uns tiros pra cima de tanta alegria. Os cabras aceleraram os passos e nunca mais deram notícias.

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